É uma pequena síntese do que
foi a atmosfera que precedeu os “anos de
chumbo”, com a ditadura de 64, que
parece se reproduzir fielmente nos dias de hoje. O parco, ou nenhum, conhecimento
da história recente de nosso país faz com que muita gente ‘bem intencionada’ até,
entre nesta fria, que é o discurso e manipulação da velha mídia que sempre esteve
macumunada com certa elite egosita, e com intereses externos, e que está se
lichando, não só para o povo, mas, até, pasme!, para o proprio país.
Dê uma olhada!
“As elites não evoluíram. Ainda é muito parecido com 1964”, afirma historiadora.
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Maria
Aparecida de Aquino é professora titular
aposentada da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, colabora com o
Programa de Pós-Graduação em História Social da mesma instituição. Durante a
carreira, se dedicou ao estudo da repressão política durante o período da
ditadura civil-militar no Brasil, especialmente a censura exercida sobre os
veículos de comunicação.
Nesta entrevista à Agência
Brasil de Fato, ela aborda os motivos que levaram ao golpe de Estado, o
papel exercido pela imprensa e faz comparações com o atual cenário da política
nacional. Segundo a historiadora, há um elemento em comum entre passado e
presente: “Uma das coisas que persistem é o comportamento das elites. Ainda é
muito parecido com o que era em 1964.”
Brasil de Fato: Quais foram os motivos que levaram ao golpe de 1964?
A gente precisa levar em consideração que no golpe estão
presentes diversas forças dentro do Brasil, bem como existiu apoio
internacional - mais especificamente, apoio dos Estados Unidos. Quando a gente
pensa quais seriam os motivos que levariam essas forças internas e externas a
embarcarem numa aventura, que foi o golpe de 1964 - aventura essa ilegal e
ilegítima sobre todos os aspectos - existem razões bastantes diversas. Se
tivéssemos que centralizar essas razões eu diria que, basicamente, foi o
programa de reformas, as chamadas reformas de base do então presidente João
Goulart, o elemento detonador dessa questão. Essas reformas atingiriam todos os
setores: penetrariam na educação, no mundo agrícola, na indústria. Era uma
proposta para mudar o Brasil.
Mas não se tratavam de reformas feitas em outros países? Por que aqui não foram aceitas pela elite?
Sim, era um projeto
reformista, não revolucionário, mas “há elites e há elites”. Ela não aceitou
porque não suporta partilhar, essa é a característica da nossa elite. Não
apenas da elite do nosso país. É uma marca das elites dos países que eram
consideradas subdesenvolvidas.
Enquanto você tem nos países
considerados avançados, como Inglaterra, França, Alemanha, uma determinada
caracterização das elites, na medida em que não existe um distanciamento tão
grande entre aquele que pertence à elite e aquele que está alijado na
sociedade, no Brasil e em outras nações, você tem uma distância imensa. Existem
nações em que o menor salário e o maior não ultrapassa dez vezes. Aqui não dá
para mensurar quantas vezes ultrapassa.
Consequentemente esse distanciamento
tão grande faz com que essa elite nossa não seja tão permissiva.
Ela não admite, ela não é democrática. Ela é cruel, mesquinha. No momento em
que ela diz “não podem se sentar à mesa”, ela está negando o próprio
desenvolvimento*. Porque é do acesso dessas pessoas a bens que elas não
teriam, e a possibilidade que elas teriam que, inclusive, você tem o maior
desenvolvimento do país. Quanto mais gente consumindo, partilhando, mais o país
será desenvolvido. Nossa elite nega inclusive o desenvolvimento. O seu próprio
desenvolvimento. É predatória, talvez seja o melhor adjetivo para ela.
Hoje se fala muito do papel de resistência à ditadura que os órgão de imprensa desempenharam. Como eles atuaram antes do golpe?
Têm um papel de protagonismo.
Eles foram conspiradores. Toda a grande imprensa estava
na conspiração contra a democracia*. Vai ser uma das articuladoras mais
importantes do golpe. O único veículo que não apoiou o golpe e se manteve ao
lado do regime deposto foi o jornal “Última Hora”, do Samuel Wainer. Por conta
disso, ele ganhou um inimigo total, que vai destruir o jornal.
Demora pelo
menos quatro anos até ele perder a posse do jornal em 1968, mas é destruído.
Também ocorreu com o “Correio da Manhã”, que apoia o golpe, mas que dois dias
depois já está contra, se colocando na oposição, já que percebeu o monstro que
ajudou a criar. Por conta disso, também será destruído, pelo mesmo grupo que
comprou o “Última Hora”.
Então como se explica que parte da grande impressa, após esse momento inicial, passa a resistir à ditadura?
A maior parte dos órgãos de
divulgação de notícias tem um tendência absolutamente liberal. Faz parte dos
objetivos do liberalismo a defesa da liberdade de expressão e de opinião.
Então, a liberdade de imprensa é um elemento central no interior da plataforma
liberal.
A imprensa tem essa
plataforma. Não é o tipo de coisa que eles queriam que acontecesse. Embarcou
numa terrível aventura, descobriu que a canoa era furada, num determinado
momento a canoa deles também fura. O exemplo lapidar é o jornal que eu estudei,
“O Estado de S. Paulo”. Foi um grande conspirador. Os Mesquita [família dona do
jornal] assumem que estavam na conspiração, dois anos antes do golpe eles já
faziam parte das reuniões que discutiam como seriam o Brasil depois do
apocalipse. Mas três anos depois do golpe já está na linha de tiro, tanto que
vai receber a censura. Talvez o único, ao lado da revista “Veja” órgão da
grande imprensa que tem censura prévia no interior da redação.
Com o fim da ditadura, é possível dizer que há uma contradição entre democratização política e a ausência de democratização da mídia?
Os grandes blocos de
comunicação, o Brasil tem meia dúzia, se chegar a tanto, você observa que eles
não tem como seu ideal a defesa da democratização das comunicações. Porque
democratizar significa, ao fim, que você dará liberdade para as pessoas se
organizarem em pequenos jornais que nasceriam, que passariam a ter direito à
luz do sol. Para grande imprensa isso não interessa.
Quando você pega “o grande
jornal A” versus “o grande jornal B” você vai ver manchetes idênticas, até a
fotografia de capa muito parecida. O mesmo para as grandes revistas, parece
tudo a mesma coisa. É bom esse mundo, né? Esse mundo entre “iguais” agrada a
grande imprensa, o mundo da diversidade não.
Na realidade se está na defesa
do oligopólio. Há grupos enormes que dominam fatias gigantescas do mercado das
comunicações. É uma defesa cooperativista. Não quer que outros entrem. Para
eles o “mesmismo” é bom. De forma alguma tem a ver com liberdade imprensa.
Liberdade de imprensa, inclusive, seria lutar pela diversidade
Você vai em uma cidade do
Acre, tem uma concessionária dos grandes veículos. É isso que está em jogo. Por
isso que está jogo, a perda de domínio. No Brasil, antes mesmo de se colocar em
pauta, se faz o discurso de dizer que está se ameaçando a liberdade de
imprensa.
Nesse sentido, qual sua avaliação mais geral sobre o papel da imprensa no fortalecimento da democracia?
Fortalece enquanto defensora
das liberdades democráticas, dentre elas a liberdade de expressão e imprensa.
Tem um papel importante sim, mas não se pode dizer que ela seja fiel à
democracia no sentido de que a democracia também significa conviver com o
diferente, com o antagônico. O que se vê hoje é a incapacidade de viver com o
antagônico. “Vocês estão de um lado, eu de outro, não quero diálogo”. Hoje
cumpre um papel péssimo, nesse sentido.
Eu fico muito chateada e
entristecida quando eu comparo as manchetes que antecedem o golpe de 1964 e o
que se faz hoje na grande imprensa. Só é comparável o que se faz hoje em
relação ao governo. A grande imprensa está fazendo isso de novo, não aprendeu
com a censura, com o fechamento com o empastelamento, não aprendeu nada, repete
a mesma coisa. Só a semelhança com a destruição que hoje se faz do governo com
o processo de destruição de que foi alvo o governo de João Goulart.
Quando você acompanha as
manchetes, as primeiras páginas, os editoriais daquela época, eles são
devastadores. Não é “queremos um Brasil melhor”, mas sim “o que está aí não nos
serve”, independente de ser democrático ou não, então partiram pro ataque. Está
acontecendo o pior que pode ocorrer, não se está dando possibilidade de defesa
para alguém que você colocou no chão. Usa-se todo seu potencial e destrata cada
um dos pontos do governo. “Nada é bom”.
“O Brasil teve coisas
negativas, mas cresceu o nível de emprego”. O “mas cresceu o nível de emprego”
é o mais importante, mas aparece no rodapé da página. É clara a iniciativa para
quem quiser ver e estiver prestando atenção.
Na sua opinião o que permaneceu intocado mesmo com o fim da ditadura?
Hoje pouca coisa. Uma das
coisas que persistem é o comportamento das elites. Ainda é muito parecido com o
que era em 1964. As elites não evoluíram, não avançaram. Enquanto o Brasil
mudou muito, para melhor, um país que inclui muito mais pessoas, e não só por
causa dos últimos anos, vem num processo de inclusão muito importante. A
realidade que vivemos hoje está a léguas de diferença da realidade de 50 anos
atrás. Talvez a única que que persista é uma atitude semelhante das elites,
infelizmente.
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Então as elites ainda se comportam do mesmo jeito?
Quando você analisa as elites
que estavam posicionadas em 1964 elas são claramente golpistas. Elas querem a
derrubada do regime democrático. Elas não sabem e não conseguem conviver com o
Estado democrático. Portanto, partem, para sua destruição e dissolução, que
ocorre através do golpe, ilegal e ilegítimo.
Hoje você tem uma elite que
tem um pouco de receio. Ela tem um pouco de receio de dizer “para nós acabou a
brincadeira, a bola é minha e não brinco mais” e assumir uma caracterização
abertamente golpista. Não que ela não flerte. Não que ela não seja capaz de
embarcar em um aventura terrível, pela forma como age, pelas considerações que
ela faz.
Um exemplo foi quando a
presidenta Dilma se elegeu. Ela teve uma capacidade eleitoral bastante grande
no Nordeste. Quando você olha as redes sociais falando dos nordestinos, você
vai ver a cara dessa elite. Ela é exatamente aquilo. Ela começa a dizer: “é
esse tipo de gente que elegeu, e nós somos melhores”. Ela tem condições, desejo
e vontade de flertar abertamente [com o autoritarismo].
Ou seja, hoje você tem um
processo ou uma proposta de inclusão social, que de uma maneira ou de outra dá
o acesso às pessoas que não teriam a determinadas instâncias, desde a casa
própria até o ensino universitário.
Essa proposta descontentava,
como descontenta hoje. A proposta de inclusão. Se o Brasil vive um momento de
crise, se é que existe a crise, se ela não é fabricada pelos meios de
comunicação, essa crise se deve fundamentalmente a esse descontentamento. São
os mesmos grupos, a mesma raiz, que não aceita que as pessoas que não têm nem
acesso às migalhas passem a se sentar na mesa.
Como a senhora analisa os protestos pedindo impeachment, os “panelaços”?
Quem bateu panelas? Foi a
grande elite? Eu sou capaz de entender o porquê. Tem o que perder, e é só por
isso que está batendo panela. Eu não tenho dúvida que essa gente está em defesa
de seus privilégios. Existiu a tentativa de puxar um fio de corrupção que
envolveria o PSDB, mas foi engavetado. Então por que se diz que só existe um
criminoso, o PT?
O Paulo Francis, há mais de
vinte anos já falava de corrupção na Petrobras. Faleceu porque veio um processo
judicial que ele não conseguiu arcar. A corrupção é exclusiva desse governo?
Mas o consevadorismo, atualmente, não se resume à elite...
Uma coisa é pensarmos no
Brasil como um país jovem, que está vivendo um processo de ascensão das
chamadas classes médias, quanto a isso não há dúvida, mas é um erro achar que
nesse mesmo processo progressivo também terá o mesmo processo no sentido de
qual leitura eles terão da realidade brasileira. Infelizmente, a leitura que se
tem, na média, é conservadora.
Isso se deve à formação do
Brasil, uma escolarização muito baixa. Teve o acesso das pessoas ao ensino, mas
é um ensino transformador? Quando se pega a escola pública, que atende à vasta
maioria, essa educação transforma sua mentalidade, prepara para os novos
tempos? Se tivesse uma imprensa que fosse muito mais plural, também
contribuiria para que tivéssemos esses debates ampliados.
O que você diria para alguém que defende o retorno da ditadura?
Pensa, raciocina e observa o
que o regime militar produziu. Um mundo sem luz. A desigualdade se ampliou
enormemente nesse período, os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. É isso
que você quer para a sociedade brasileira? O remédio para a sociedade
brasileira é uma aventura antidemocrática? Para combater a corrupção é
necessário acabar com a democracia?
Para pessoas que pensam nisso,
eu aconselharia a ver as contas da Transamazonica. Ou as contas nunca fechadas
da Ponte Rio-Niterói. Ninguém falou, porque naquele momento não podia falar. Se
você levantar, você vai trazer uma quantidade de coisas irregulares que arrepia
os cabelos de qualquer um. Hoje, graças ao caminho que a sociedade brasileira
trilhou, nós temos liberdade de falar. O autoritarismo corre ao lado da
irregularidade, porque ele abafa a irregularidade.
*O ‘grifo’ e meu.
Por Rafael Tatemoto
Em brasildefato
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